sábado, 22 de novembro de 2008

O papel da alteridade e da identidade no processo de formação étnica: um olhar

I Circuito de debates do Observatório de Pesquisa - Poder, Cultura e Contemporaneidade
Mesa: Etnicidade

* Mestranda Valéria Nogueira Rodrigues (UFMT|Cuiabá)

Etnicidade é a secção da sociedade em grupos. Essa divisão é feita a partir da seleção de características comuns a um conjunto de pessoas que as diferenciem de outros grupos. Por exemplo, temos a etnicidade indígena, negra, européia, dentre outras. Trata-se do conjunto de características sócio-antropológicas de cada um, que os une em determinados grupos, diferenciando-os de outros. Nesse sentido, uma vez que um indivíduo nasce e adquire os elementos constitutivos de uma identidade - características físicas, o nome, a religiosidade, e daí por diante - é esta ancoragem étnica que confere a estas ligações a força coercitiva derivada do dever moral de solidariedade para com "os seus". Negar estes traços é estar fora do grupo, embora eu não tenha a pretensão de negar as tensões existentes entre os indivíduos no interior de cada grupo. Pertencer a uma determinada etnia, portanto, é partilhar uma distintividade, uma identidade sociocultural, que implica, geralmente, numa mobilização política ou social em defesa dos valores ou interesses do grupo.


Quando, no entanto, esse pertencimento, leva a uma atitude na qual a visão ou avaliação de um grupo social a basear-se apenas nos valores adotados pelo seu grupo, como referência, como padrão baseado no preconceito, temos aí o etnocentrismo. Basicamente, encontramos em tal posicionamento um grupo étnico considerar-se como superior a outro.


Nesse sentido, o presente trabalho busca refletir sobre a etnicidade, enquanto identidade, em relação à alteridade, ao contraste com inúmeros outros, com etnicidades diversas. Entendendo que pertencer a uma determinada etnia significa partilhar elementos simbólicos comuns que nos definam como “iguais” diante dos outros, muito embora esta aparente solidariedade étnica apenas mascare desavenças internas, politicamente anuladas quando o que interessa são benefícios que dada identidade nos oferece. A identidade étnica nos classifica diante dos outros. Assumir uma etnicidade significa, portanto, encenar um papel sócio-político em relação a outros grupos. A etnicidade está, portanto, em relação direta à alteridade, depende dos outros para que possa ser validada, reconhecida, e ao mesmo tempo nos posiciona social e politicamente.


Acesse texto completo: Valéria Rodrigues

Imigração, racismo e nação na passagem do século XIX ao XX

1º Circuito de Debates do Observatório de Pesquisa - Poder, Cultura e Contemporaneidade
Mesa: Etnicidade
* Ms. Paulo Divino da Cruz (UFMT|Cuiabá)

RESUMO


Partindo da perspectiva Pós-Colonial, analiso as influências do pensamento racista europeu e norte americano na construção do conceito de Nação, na imigração européia e as interferências destes fatores no processo de desqualificação e subalternização do negro.

Palavras Chave: Racismo, Imigração, Nação


A Perspectiva Pós-Colonial


A passagem da Monarquia para a República, a imigração européia do século XIX ao XX e a Abolição assinalam uma das mais importantes transições da História do Brasil. A partir de 1850 o processo Abolicionista ganha maior força e dimensão, também neste ano que se promulga a Lei de Terras. Neste período se registra uma expressiva entrada de imigrantes europeus na condição de substitutos da mão-de-obra escrava nos latifúndios produtores de café e, posteriormente, nas mais diversas atividades econômicas no âmbito urbano.


O impedimento do acesso à terra por parte dos ex-escravos e de colonos, a imigração e a passagem para o trabalho assalariado mudaram a base produtiva e as relações de produção, sem, no entanto interferirem na organização social de fundo da sociedade, que permaneceu oligárquica, excludente e conservadora. Essas transformações reclamaram a redefinição do conceito de Nação e o estabelecimento de um novo conjunto de prioridades que adequassem o Estado às novas exigências do momento histórico, rearticulando o papel de cada classe e/ou segmento social dentro do contexto do capitalismo nascente.


Por isso, não se trata apenas da passagem de um século ao outro, da derrocada do escravismo e emergência do trabalho assalariado, ou da substituição da Monarquia pela República. Tampouco esses movimentos podem ser compreendidos como processos independentes. Esta é a transição mais importante para a configuração do que conhecemos como Brasil moderno. Todas as heterarquias que chegam à América a partir de 1500 são atualizadas, aprofundadas, relidas e reinterpretadas neste momento histórico.


Florestan Fernandes em A Revolução Burguesa no Brasil (1979) constrói uma leitura interessantíssima sobre o período. Mas não se pode perder de vista que ele é um homem branco europeu na perspectiva ocidental européia e tende a traçar um panorama a partir deste ponto de vista. O fato é que ele faz questão de não ir além do ponto de vista da luta de classes. Assim, esta comunicação é uma tentativa de interpretação que se propõe a trocar o ponto de vista europeu/ocidental pela perspectiva subalterna, ampliando e reformulando a análise econômica de Fernandes com as heterarquias sublinhadas por Grosfoguel (2008, 2008b), destacando o papel do racismo dos séculos XIX e XX na reprodução do sistema-mundo-patriarcal-capitalista-colonial-moderno dentro do território brasileiro, na perspectiva da Colonialidade do Poder, segundo a qual o racismo ocupa o lugar central na estruturação do sistema-mundo.(...)


Acesse o arquivo completo: Imigração, racismo e nação

domingo, 26 de outubro de 2008

UNILAB – Pensando a Universidade Inovadora


*Henrique Cunha Junior

A sociedade da informação e da tecnologia é a sociedade da inovação. As necessidades da população negra brasileira, das comunidades de quilombos, dos bairros de maioria afrodescendentes e dos países africanos criaram e formaram elos históricos que tiveram integrados por um sistema de exploração colonial e neo-colonial, da dominação ocidental que merece um tratamento específico e reflexivo do que representaria um novo paramento de relações de integração e também um novíssimo modo de relações universitárias e de produção do fazer universitário.

As integrações universitárias e as cooperações entre os países africanos e as nações industrializadas têm uma longa história com resultados nem todos louváveis e nem todos recomendáveis ou pelo menos desejáveis. Todos os sistemas de cooperação universitárias, mesmo com os países comunistas, no caso da Universidade Patrício Lumumba em Moscou, que tinha como referência auxiliar na emancipação dos povos, careceram de um paradigma renovador e da inclusão da história de africanos e da diáspora na pauta da elaboração reflexiva sobre as suas finalidades.

As formulações das universidades tiveram sempre a totalidade do pensamento referido apenas ao ocidente, pensadas com bases num louvável humanismo, no entanto eurocêntrico, quase sempre negando as experiência histórica e cultural de africanos e afrodescendentes. Foram propostas liberais pensadas num campo da liberdade de pensamento e pretendendo uma criatividade, sem contudo, uma análise profunda das realidades dos povos africanos do continente e da diáspora pensadas sobre as nossa ótica e nossas vontades. No caso particular do Brasil temos alguns agravantes: o pensamento e a capacidade de realização de africanos e afrodescendentes sempre foi sistematicamente negada na cultura universitária do Brasil. Estamos num sistema de produção acadêmica em o africano e os descendentes não são pensados como produtores de conhecimentos e nem como fonte de processos de produção de civilização. Ainda adiciona-se a dificuldade dos afrodescendentes brasileiros em dialogar com o sistema universitário nacional. Dificuldade esta, imposta pela forma como é pensada a estrutura universitária, seus atores e suas finalidades. Sem contar que as nossas práticas universitárias de proposições para a superação do racismo e da dominação ocidental inexistem. Nesta dificuldade nasce um terreno fértil de inovações e proposições criativas que podem estar incorporadas à realização desta nova universidade pensada para tal. Nas universidades existentes no país não se pode identificar a proposta de um novo pensamento universitário, muito menos a existência de uma universidade voltada para a realidade das populações pobres e oprimidas.

Uma radical inovação é termos uma universidade onde seu estatuto priorize o tratamento dos temas de interesse das populações africanas do continente e da diáspora africana; Que tenha explicitado as particularidades da população negra brasileira, com relação aos problemas de comunidades rurais como as dos quilombos e que estas se integrem às dificuldades das pequenas populações rurais do continente. Da mesma forma com relação aos problemas urbanos, da produção cultural e do conhecimento em geral. Teríamos a inovação também ao pensarmos uma universidade mais prática do que teórica, de grande intervenção nas realidades sociais, econômicas e culturais tornando-se mais ativa do que discursiva.

Temos exemplos concretos dessas possibilidades? Sim temos. Enquanto o Ministério da Saúde condena a casa de taipa e os programas constroem casas desconfortáveis e distantes da cultura e dos recursos das comunidades negras rurais, nós desenvolvemos a casa de taipa renovada e as construímos em centros de cultura negra rurais de 270 metros quadros por um custo de 60 mil reais ficando mais da metade do recurso em compra de materiais fornecido pela própria comunidade. Realizando tudo dentro do perfil das licitações públicas e dos parâmetros legais. Esta foi uma atividade de aprendizado nossa da cultura de quilombos, da pesquisa acadêmica de como construir melhor e de integração com a comunidade para solução de problema: construir barato e bem.

As escolas dos movimentos negros através do Brasil têm diversas experiências bem sucedidas de pesquisa e intervenção nem sempre consideradas pelas novas universidades. O campo da educação pelas aplicações das afro-danças, pelas pedagogias do corpo, como do uso da capoeira nos mostra também um universo de possibilidades e de realizações que inspiram a os caminhos de um novo fazer universitário. Mesmo no campo da saúde pública e sobre tudo do trato com a Anemia Falciforme, os movimentos sociais negros e cooperação com os universitários, têm demonstrado as possibilidades de inovação e prática na abordagem de situações sociais difíceis.

As universidades brasileiras são todas pautadas na realização de pesquisa, extensão e ensino. Entretanto, a maioria faz do ensino a prioridade, realiza alguma pesquisa, quase sempre de pequeno porte e com projetos de dimensões reduzidas, envolvendo um número pequeno de doutores e mestres. São universidades quase que sem atividades de extensão e interação local e regional. A extensão é quase sempre causal, ficando uma distância tremenda e indesejável entre a sociedade e uma sociedade institucionalizada na universidade. Esta é uma inovação significativa que pode ser incorporada à realização de uma nova universidade como é o caso da UNILAB que teria mais pesquisas coordenadas com a extensão e com as necessidades da sociedade ampla e não apenas com o sistema produtivo de grandes capitais.

As universidades modernas na acepção da palavra se caracterizam pela pesquisa. O próprio estado nacional e as unidades da federal formulam as suas políticas públicas baseadas nos resultados da pesquisa universitária. Podemos afirmar que os grupos sociais que não tem pesquisa sobre eles também não têm políticas públicas sobre. O sistema econômico e seu desenvolvimento estão articulados com a produção acadêmica. Neste sentido, o diferencial de acesso à modernidade, de desenvolvimento social e econômico das populações e das regiões tem um vínculo profundo com a produção universitária. Entretanto, a forma pela qual se organizam as nossas universidades estaduais e federais dificultam esta articulação entre pesquisa, inovação e desenvolvimento social, econômico e cultural.

Nas nossas universidades se contratam professores para as disciplinas e daí, na medida do possível, os adaptam para a pesquisa. A pesquisa fica atrelada ao ensino, e não ao contrário. A pesquisa fica também dissociada da sociedade pela sua forma de aquisição e de constituição do corpo de pesquisadores e dos programas de pós-graduação. As universidades brasileiras não dispõem, a priori, de um corpo que pensa as pesquisas e a extensão e delas formulem as necessidades de pessoal, instalações e equipamento etc, etc. As novas universidades crescem com o crescimento vegetativo do ensino. O ensino é instalado com cópia de outras realidades e, portanto, oferecem soluções referentes a outras realidades. Exemplo desta cópia esta na distância que as universidades do nordeste têm da cultura local. Os estudos de filosofia grega predominam outros quaisquer. A cultura brasileira é vista de forma pontual nas nossas universidades. São raros os centros de estudos regionais e locais nas universidades brasileiras. No entanto, os temas universais e projetos copiados da estrutura internacional são inúmeros e de fortíssimo interesse nas universidades brasileiras. Os elos de dependência cultural, econômica e social com os países de industrialização mais antigos e como as regiões do país dominantes são reforçados pela forma que são constituídas as nossas universidades.

Estamos numa fase de proposição da instituição UNILAB, tramita no congresso nacional o seu projeto de consolidação. Teremos as fases de implantação e de definição dos seus propósitos e da constituição do seu corpo administrativo, docente e discente. Estamos, portanto, diante de um desafio. Fazermos apenas mais uma universidade de cursos de ensino superior, ou realizamos uma nova universidade de um pensamento universitário novo e propositiva de inovações transformadoras das realidades sociais. Ao especificarmos os propósitos e as participações é um avanço a ser realizado justamente no momento da sua instalação. Deixar para depois é perdermos a oportunidade histórica de construirmos uma nova mentalidade universitária e de realizarmos um sonho de consideração de existência de populações africanas e da diáspora no perfil prioritário de dedicação desta universidade.

*Henrique Cunha Junior é Professor da Universidade Federal do Ceará